quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Entrevista a Gilberto Gil sobre el Portuñol

ENTREVISTA: GILBERTO GIL
Por Valéria Costa e Silva e Alfredo Cesar B. de Melo

Mais do que ministro da Cultura do governo petista, Gilberto Gil é um dos artistas mais importantes do Brasil. Junto com Caetano Veloso, ele foi uma das vozes mais ativas do Tropicalismo - movimento estético que reabilitou a idéia de “antropofagia” para incorporar o pop e a contracultura no discurso cultural brasileiro, até então refretário a muita das linguagens da cultura de massa. Militante do Partido Verde, em 1988 foi eleito vereador na sua cidade natal, Salvador. Também participou como conselheiro do Programa Comunidade Solidária, desenvolvido pelo governo Fernando Henrique Cardoso.No dia 17 de fevereiro, Gilberto Gil esteve em Berkeley e para o deleite dos que assistiram à sua palestra no Wheeler Hall, entrecortou sua fala sobre seus projetos no Ministério da Cultura com algumas de suas músicas mais conhecidas. No dia 18 de fevereiro, Gilberto Gil deu uma entrevista a Lucero. Nela defendeu o portunhol como língua de integração, discutiu a relação da Tropicália com a América Latina e reiterou o discurso da “harmonia de constrastes” para explicar e elogiar a cultura brasileira.

Lucero – No último Forúm Social, em Porto Alegre, o senhor defendeu o portunhol como língua de integração latino-americana. Gostaria que o senhor explicasse essa sua defesa do portunhol.
Gilberto Gil - O portunhol é uma língua de integração regional. Vivemos um momento planetário de grande integração regional – veja a Europa e sua moeda única, servindo a 25 países – a União Africana, a Ásia também se mobiliza para essa integração. Então vejo com muita naturalidade que países do Mercosul também busquem sua integração.A Europa tem 10, 15 línguas. A América Latina tem duas: Português e Espanhol.E são duas línguas, que por força natural da interação entre elas, do cotidiano das relações entre os povos, nos vários níveis de vida, acabam forjando o surgimento dessa nova língua que é uma língua de compatibilização, de acomodação, de negociação – “eu falo um pouco da sua, você fala um pouco da minha”. Isso ninguém pode ignorar. Minha defesa do portunhol não é bem uma defesa: é uma advertência para sua existência. Ela existe e seu uso não deve ser necessariamente inibido. Ao contrário, precisa ser estimulado. Porque se o turismo entre o Brasil e a Argentina passa pelo fato que o argentino fala um pouco de português e o brasileiro fala um pouco de espanhol, então o portunhol é uma língua que é benéfica para o turismo de ambos os países. Não se esqueça também que o portunhol é uma língua de transformação. É uma língua que pode chegar a ser no futuro uma língua mesmo. Mais ainda: ela de uma certa forma obriga o aprendizado mais profundo das línguas originais. Quando mais o portunhol for falado, mais o português e o espanhol serão falados.Portanto o que defendo é a vitalidade das coisas. Não se pode investir contra a vida das coisas: Portunhol não pode ? Por que não pode ? Alguns dizem porque se vai prejudicar as duas línguas. Não se fala nem uma língua nem outra. Eu vejo diferente. Se vai “prejudicar” é porque assim quer a História.

Lucero – Historicamente, o Brasil sempre teve uma atitude de indiferença em relação à América Latina. A Tropicália foi um dos poucos movimentos culturais do Brasil que se voltaram para a questão da identidade latino-americana. Como surgiu esse gesto “latino-americanista” da Tropicália?
Gilberto Gil – Acho que isso vem do próprio envolvimento pessoal dos artistas da Tropicália como eu e Caetano. Porque nós havíamos tido na nossa formação uma presença muito forte da música latino-americana (México, Cuba, Peru, Chile, Argentina). A gente tinha ouvido muita coisa, desde os tangueiros argentinos até Augustina Lana. A música latino-americana havia tido uma forte presença no Brasil dos anos 40 e anos 50. Toda a minha geração havia sido impregnada pela música – e consequentemente – pela cultura latino-americana. Esse foi o fato principal. Além do mais, naquele momento havia uma interação muito grande entre ação cultural e ação política. Também nesse sentido havia um forte desejo unificador das Américas (a revolução cubana, as teorias da Cepal). Tudo aquilo era um fator unificador. Não dava para pensar em nós sem pensar nos outros. Estávamos todos no mesmo jogo. E os outros latino-americanos estavam em jogadas mais audaciosas que as nossas. Os países latino-americanos estavam todos em cena. Estávamos todos no palco – aquilo dali era uma grande peça. Acho que foram esses fatores que contribuíram para que a gente se interessasse em trabalhar uma linguagem que propunha diálogos pan-americanos.

Lucero – No seu discurso de posse, o senhor mencionou a idéia de que o mundo teria o que aprender com o Brasil, com sua capacidade de transigir, de incorporar o diferente e de harmonizar constrastes. Como é que você conciliaria esse discurso com uma realidade cada vez mais violenta no Brasil, e com uma fosso social entre ricos e pobres cada vez maior?
Gilberto Gil – Quando a gente fala do conjunto nacional, a gente fala do que emerge como características genéricas. No Brasil, há problemas, há castas, há a classe média alta nos seus “campos de concentração de renda” – eu acho essa expressão de Caetano maravilhosa -. Mas ao mesmo tempo você tem uma média de convivência entre essas diferenças e essas médias são diferentes nos seus respectivos países. Certas diferenças de convivência média entre os constrastes têm tonalidades mais vivas ou menos vivas, dependendo do país. O que eu quero dizer é que a média desses constrastes brasileiros é uma média boa e interessante. O modo como pobres e ricos, os bem falantes e os mal falantes, as linguagens clássicas e emergentes, como tudo isso convive no Brasil, tem uma média harmônica. Digamos que do ponto de vista mundial, comparada com outras nações, é uma média boa.

Lucero – Talvez um potencial para ser no futuro uma coisa melhor...
Gilberto Gil – Portanto pode mostrar aos outros países como eles podem ser melhores nas suas acomodações, constrastes e diferenças. Acho o Brasil diz assim para o mundo: “Diferença temos sim, mas vejam como nós conseguimos uma boa convivência entre diferenças e mais ainda: como nós conseguimos de alguma forma que o processo histórico alavanque condições de diminuição dessas diferenças. E a possibilidade de que se diminuam as diferenças no Brasil se dá pelo convivío que as diferenças têm hoje.